SAÚDE NEONATAL - ENFERMAGEM EM NEONATOLOGIA
TRANSPORTE DO RECÉM NASCIDO DE RISCO
AUTORA: JULIANA S. DE ALMEIDA
Uma das características do período neonatal
são as altas taxas de mortalidade devido ser uma fase de grande
fragilidade do ser humano e a alta propensão à ocorrência
de seqüelas muitas vezes incapacitantes e de longa duração.
Para que essas taxas diminuam e haja recuperação sem seqüelas, é
indicado o encaminhamento para um hospital que tenha Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal
(UTIN) e, para que esse encaminhamento ocorra de forma adequada, é
necessário um serviço de transporte.
E para que isso ocorra de forma apropriada é necessário
que se siga modelo dos "Sistemas Regionais Integrados e Hierarquizados".
Este modelo tem implícito a assistência integral à gestante
e ao RN, sendo a atenção efetuada dentro do nível
hierárquico em que o caso for indicado. Ao nível de maternidades,
o sistema prevê três níveis ( I, II, III ) com um adequado
sistema de referência e contra-referência entre eles.
Esse níveis são:
-
PRIMÁRIO(I): será
feito o acompanhamento de gestante e RN de baixo risco, identificando
e encaminhando os casos de maior risco para outros níveis.
-
SECUNDÁRIO (II): acompanhará
gestantes e RN de baixo e médio risco, selecionando e encaminhando
casos de maior risco para os Centros mais habilitados para o atendimento.
-
TERCIÁRIO (III):
destinado aos atendimentos de gestante e RN de alto risco,
e de internação de RN com algumas patologias, transportados
de outras unidades, para a Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN).
Um subgrupo do nível III, algumas vezes designado de nível
IV, aonde ocorre a administração de terapias novas e também
especializadas, não adotadas no nível III, por exemplo, oxigenação
de membrana extracorpórea (OMEC) e a ventilação de
alta freqüência.
QUANDO
DEVE OCORRER O TRANSPORTE ?
Muitos hospitais não dispõem de equipamentos
ou uma equipe treinada para atuar numa situação de risco
para o RN. O RN deve ser, então, transportado para Centros dotados de equipe treinada e
equipamentos adequados.
O transporte do concepto intra-útero é o que tem melhor
resultado, isto é, a transferência da gestante. Contudo, isto nem sempre é possível.
Se o RN desenvolve ou está em risco de desenvolver
alguma patologia que não pode ser tratada num berçário
de nível mais baixo, deve ser transportado para um berçário
de nível mais elevado. As indicações para ocorrer
o transporte do RN dependem de vários fatores além do grau
de comprometimento patológico. A capacidade e disponibilidade da
equipe médica, a capacidade e disponibilidade da equipe de enfermagem,
disponibilidade de serviços de apoio, todos esses fatores devem
ser levados em conta na hora da tomada de decisão de continuar
tratando ou não um RN num berçário de nível
I ou II. Uma vez que o RN de alto risco é um paciente que pode sofrer
alterações no seu estado de forma rápida, a decisão
de transportá-lo ou não deve ser flexível. Estas decisões
devem ser tomadas em conjunto com a equipe do centro de nível III
regional.
INDICAÇÃO
DE TRANSPORTE
-
PREMATURIDADE (Principalmente RN com idade gestacional inferior
a 32-34 semanas) e(ou) PESO de nascimento inferior de 1500 gramas;
-
ALTERAÇÕES RESPIRATÓRIAS: necessidade
de oxigenioterapia com concentração de oxigênio acima
de 40 a 60%, necessidade de CPAP ou ventilação assistida,
obstrução de vias aéreas, episódios de apnéia
recorrentes;
-
ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES: choque, cardiopatias
congênitas, miocardiopatias;
-
ALTERAÇÕES INFECCIOSAS: choque séptico,
sepse complicada por coagulação intravascular disseminada;
-
ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS: coagulopatias,
hemólise por incompatibilidade Rh, qualquer icterícia cujo
os níveis de bilirrubina estejam elevados a tal ponto de haver risco
de encefalopatia bilirrubinácia;
-
ALTERAÇÕES METABÓLICAS: acidose metabólica
ou hipoglicemia de difícil controle, uso materno de drogas;
-
ALTERAÇÕES NEUROLÓGICAS: convulsão,
hipo ou hipertonia;
-
Necessidade de Nutrição Parenteral;
-
Malformações Congênitas (para diagnóstico
ou tratamento);
-
Patologias Cirúrgicas.
EQUIPE
A composição da equipe é variável
e todos os seus componentes devem estar capacitados para estabilizar e transportar
o RN doente. O objetivo da equipe é proporcionar total apoio
ao RN, desde que chega no hospital que encaminha até a entrega
da criança no hospital que a recebe. A equipe de transporte precisa
ser uma extensão da unidade de tratamento intensivo e em nenhum momento
o neonato deve ficar prejudicado pelo processo de transporte.
As equipes devem estar capacitadas para avaliar rápida
e precisamente o neonato e instituir a terapia apropriada. Além
disso, equipe deve ser capaz de explicar claramente aos pais a condição,
prognóstico e o tratamento do RN.
EQUIPAMENTOS
O equipamento mínimo disponível para o transporte é:
-
Incubadora de transporte semitransparente (para facilitar
a visualização do RN) com baterias recarregáveis e
fonte de luz;
-
Cilindros de oxigênio recarregáveis, com válvulas
redutoras, fluxômetro e traquéias (pelo menos dois por transporte);
-
Ambu com reservatório de O2 e máscaras;
-
Monitor de freqüência cardíaca ou oxímetro
de pulso com baterias recarregáveis;
-
Termômetro e estetoscópio;
-
Fita de controle de glicemia capilar;
-
Material de intubação endotraqueal: sonda de
aspiração número 6/8/10, cânula de diâmetro uniforme
número 2,5/3,0/3,5/4,0, laringoscópio com pilhas e lâmpadas funcionantes,
lâminas número 0 e 1 e material de fixação;
-
Material para acesso venoso: escalpes número 23, 25 e 27 e(ou)
angiocaths número 22 e 24, seringas de 3,5 e 10 ml, equipos e buretas de microgotas;
-
Material para cateterização umbilical: sondas
gástricas ou uretrais com orifício terminal número 5, 6 e 8, pinça estéril,
forcips de íris e material de sutura;
-
Material para drenagem torácica: sondas número 8, 10 e
12, lâminas de bisturi e pinça Kelly estéreis, material para fixação
e recipiente para selo d'água;
-
Material de coleta de sangue: tubos secos, frascos com EDTA
e frascos para hemocultura.
Além dos equipamentos citados acima, é importante
contar com os seguintes equipamentos:
-
Cilindro de ar comprimido recarregáveis, com válvula
redutora e fluxômetro (pelo menos dois por transporte) ;
-
Blender de O2 e ar com aquecedor e umidificador
da mistura gasosa;
-
Ventilador de fluxo contínuo, limitado a pressão,
acoplado à incubadora de transporte;
-
Ambu com reservatório de O2 e manômetro,
prongs nasais e capuz de O2;
-
Bombas de infusão contínua com bateria recarregável
(pelo menos uma por transporte);
-
Monitor de pressão arterial com bateria recarregável;
-
Monitor de freqüência cardíaca e respiratória
e oxímetro de pulso com bateria recarregável.
MEDICAÇÃO
A medicação mínima para o transporte
do RN deve ser acondicionada dentro de uma maleta. No caso de situações onde seja necessário o uso de medicação específica, esta deve ser acondicionada junto com a medicação mínima
necessária.
Medicação necessária para o transporte
do RN:
-
-Soro Fisiológico;
-
-Soro Glicosado (5%, 10%);
-
-Água destilada;
-
-Gluconato de Cálcio 10%;
-
-Adrenalina;
-
-NaHCO3
-
-Albumina 5%;
-
-Naloxone;
-
-Ampicilina ou penicilina;
-
-Amicacina ou gentamicina;
-
-Pancurônio;
-
-Fursemida;
-
-Dexametasona;
-
-Heparina;
-
-Fenobarbital;
-
-Hidantal
-
-Vitamina K;
-
-Dopamina;
-
-Dobutamina;
-
-PGE1 (se disponível);
-
-Nitroprussiato de sódio;
-
-Lidocaína a 1% (anestesia local);
-
-Lidocaína a 2% sem adrenalina;
-
-Atropina;
-
-Bicarbonato de Sódio;
-
-Isoproterenol;
-
-Glucagon;
COMO REALIZAR O TRANSPORTE?
Estabilização do RN
Para o sucesso do transporte do RN crítico, é necessária a estabilização
do paciente antes do início do transporte propriamente dito. Alguns
cuidados especiais devem ser tomados quando se trata da faixa neonatal.
-
-Manutenção
da temperatura: cada grau perdido pode ser de grande risco para o RN.
Deve se dar início ao transporte quando o RN estiver normotérmico.
Caso contrário, aquecê-lo lentamente antes do transporte (aquecimento
rápido pode levar ao aparecimento de apnéias). A manutenção
de temperatura corporal do RN pode ser atingida na utilização
de incubadora de transporte com fluxo de ar aquecido, deve ser ligada na
rede elétrica até o momento do transporte propriamente dito
e só aí ligada à bateria. Deve ocorrer a secagem adequada
do líquido amniótico e outras secreções da
superfície corpórea do RN para prevenir perda de calor por evaporação.
Alternativas: manter o RN em calor radiante até o início
do transporte, ou envolver o corpo do RN em filme transparente de PVC (Magipack),
ou colocar o RN próximo de bolsa ou luvas com água quente,
evitando o contato direto com a pele do RN, pois pode ocorrer queimadura.
-
-Manutenção da permeabilidade
das vias áreas: antes do início do transporte, deve-se
realizar a aspiração de secreções da boca,
narinas e faringe, verificar a posição do paciente, evitar
a flexão da cabeça e a obstrução da traquéia.
No caso de dúvida quanto a permeabilidade das vias áreas
é preferível intubar o RN no local de nascimento e estabilizá-lo.
-
-Suporte respiratório: deve
ser observado o ritmo respiratório e cianose do RN a ser transportado.
Realizar avaliação dos gases sangüíneos antes
do início do transporte. Nas seguintes situações é
preferível intubar e transportar o RN sob ventilação
assistida a correr risco de uma deterioração aguda do padrão
respiratório durante o transporte, com necessidade de intervenção
em condições longe das ideais: ritmo respiratório
irregular ou superficial; necessidade de FiO2 >0,60 para manter
pO2 normal; pCO2 >45 mmHg; RN com peso inferior
a 1.500g apresentando desconforto respiratório, pois o risco de
estafa e apnéia é muito grande. Transportar qualquer paciente
com desconforto respiratório com sonda para descompressão
gástrica, de preferência orogástrica para evitar obstrução
das narinas. Deve-se lembrar que as fontes de oxigênio e ar comprimido
portáteis só devem ser conectados ao paciente no início
do seu deslocamento, caso contrário elas se esgotarão durante
o transporte.
-
-Suporte cardiovascular: antes
do transporte deve-se avaliar a perfusão periférica, diurese,
e se possível, medir a pressão arterial. Quando indicado,
iniciar a infusão de dopamina ou dobutamina, de tal maneira que
o paciente tem condições hemodinâmicas para transporte,
sendo realizada a sua administração por via de bomba de
infusão. Não é indicado transportar RN bradicárdico,
um vez que o risco de parada cardiorespiratória durante a remoção
quase sempre é fatal. É fundamental a estabilização
do paciente antes do transporte.
-
-Suporte metabólico:
a obtenção de um acesso venoso para correção
de possíveis distúrbios metabólicos é importante para o sucesso
do transporte. É preferível a utilização de
veias periféricas, especialmente as do dorso da mão ou do
couro cabeludo para uma melhor fixação, como via de acesso
venoso. Na presença de dificuldade para a obtenção
de venóclise, pode-se cateterizar a veia umbilical. Neste último
caso alguns cuidados devem ser tomados: localizar o cateter na veia cava
inferior; fixar o cateter à veia para evitar seu deslocamento com
sangramento durante o transporte. Após a obtenção
do acesso venoso inicia-se a infusão de glicose na velocidade de
4-6mg/kg/min. Controla-se a glicose de modo a evitar uma hipo ou hiperglicemia.
A estabilização do equilíbrio ácido-básico
antes do transporte do RN é necessário. Recomenda-se que
o transporte só seja realizado quando o pH estiver acima de 7,5
nas primeiras 4 horas ou acima de 7,3 a partir desse período.
-
-Suporte infeccioso: em caso
de suspeita de sepse é indicado colher hemocultura e iniciar
imediatamente antibioticoterapia de amplo espectro, dentro do processo de
estabilização clínica pré-transporte. Não
se deve esperar a chegada na UTIN para ser iniciado o tratamento.
Preparo para o Transporte
-
-CONSENTIMENTO: Após
a estabilização do RN é obrigatório que a equipe
de transporte explique para a família o estado clínico
do RN e a indicação para o transporte. Por mais que a equipe
saiba a necessidade do transporte do RN, os pais são responsáveis
pela criança, havendo a necessidade de haver consentimento, por
escrito, dos mesmos para o transporte
-
-COMUNICAÇÃO:
Uma vez estabilizado o RN e obtido o consentimento dos pais para o transporte, um
dos membro da equipe deve entrar em contato com a UTIN para relatar um
sumário da historia clínica do paciente, avisar qual suporte
que se fará necessário e comunicar qual o horário
previsto para chegada da equipe de transporte na UTIN. Deste modo a equipe
da UTIN pode se preparar para receber o RN.
O Transporte
É só após a estabilização
clínica que se coloca o RN na incubadora de transporte, liga-se
o equipamento à bateria e que se conecta o paciente aos gases portáteis.
Na ambulância, se possível, utilizar a fonte de oxigênio
e rede elétrica da própria ambulância, poupando-se
assim a reservas da bateria e de oxigênio.
A monitorização durante o transporte deve
ser feita de acordo com os seguintes parâmetros:
-
Temperatura axilar a cada 10 minutos;
-
Verificação de permeabilidade de vias aéreas:
posição da cabeça e do pescoço do RN, presença
de secreções, posição e fixação
da cânula traqueal;
-
Observação de ritmo respiratório, da
expansibilidade de caixa torácica, de cianose e, se possível,
da saturação de oxigênio, através de um oxímetro
de pulso;
-
Verificação dos batimentos cardíacos,
de preferência através de monitor de freqüência
cardíaca, pois o barulho da ambulância torna impossível
ausculta cardíaca. Se não for possível, o uso de monitor,
verificar o pulso femoral ou braquial;
-
Observação da permeabilidade da via de acesso
venoso, do funcionamento da bomba de infusão e (ou) do gotejamento
da bureta;
-
Glicemia capilar imediatamente antes do início do
transporte e depois a cada 20-30 min.
Transporte o RN com a parte transparente da incubadora
acessível à visualização por parte da equipe
de transporte. Nunca deixar qualquer paciente, mesmo estável, sozinho
na parte de traseira da ambulância.
Se houver qualquer intercorrência, é preferível
parar a ambulância e realizar os procedimentos necessários com
calma, a correr o risco de realizá-los com ansiedade, em meio aos solavancos
de um veículo em alta velocidade.
No transporte neonatal não há necessidade
de velocidade excessiva se o paciente estiver estabilizado. A velocidade
de 60km/h, sem a utilização de vias na contra-mão,
ultrapassagens perigosas ou desrespeito aos sinais de trânsito, é
mais segura para o RN e para equipe de transporte.
Chegada a UTIN
Na chegada a UTIN, é função da equipe
de transporte repassar todas as informações necessárias
para o cuidado daquele paciente. A equipe de transporte deve, também,
recolher e verificar todo o material utilizado, para que, se houver necessidade,
este material esteja pronto para um transporte de um próximo recém-nascido.
Bibliografia consultada
GUINSBURG, R.; ALMEIDA, M.F.B. Transporte Neonatal. p.19-24
In: DINIZ, E.M.A. Manual de Neonatologia. São Paulo, Revinter,
1993.
D'HARLINGUE, A.; DURAND, D.J. Reconhecimento, Estabilização
e Transporte do Neonato de Alto Risco. IN: AVERY, G.B. Neonatologia,
Fisiologia e Tratamento do Recém-Nascido. 2 ed., Rio de Janeiro,
Medsi, 1984, p.48-64.
FRANTZ, I.D. Transporte do Recém Nascido. cap.29,p.371-75,
IN: CLOHERTY, J.P.; STARK, A.R. Manual Assistência ao Recém Nascido. Manole, 1982.
A autora desta página é bolsista de Iniciação Científica da FAPESP.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Helena Baena de Moraes Lopes
Agradecimentos: Profa. Ianê Nogueira do Vale pela revisão do texto e cessão das fotos.