A Casa de Parto de Sapopemba


Casa de Parto de Sapopemba na cidade de São Paulo-SP. Diretora: Dra.Ruth Hitomi Osava, enfermeira obstétrica.


*Maria Alícia Carrillo Sepúlveda


A Casa de Parto de Sapopemba foi inaugurada em 18 de setembro de 1998, com o objetivo de oferecer atendimento digno e humanizado às mulheres com gestação fisiológica, inscritas no Programa Saúde da Família, PSF-Qualis/Sudeste. Todo o atendimento obstétrico e neonatal é realizado por enfermeiras obstétricas com longa experiência na área, apoiadas por auxiliares de enfermagem. Não há médicos na unidade, e os casos que fogem à normalidade são transferidos para os serviços de referência.

As mulheres são encaminhadas à Casa de Parto à partir da 37ª semana, pelos médicos e enfermeiras da Família do Qualis que as acompanham no pré-natal. Na Casa do Parto, é feita uma avaliação de risco segundo protocolos elaborados pela equipe local, respeitando os critérios de risco consagrados na atualidade.

A Casa do Parto faz o acompanhamento da gestante até o parto, em encontros semanais, ou mais amiúde, conforme a situação. Nestes encontros, ela e sua família recebem informações sobre o processo fisiológico do nascimento, o reconhecimento dos sinais e sintomas do trabalho de parto, as posições e ações que favorecem a boa evolução do parto, a importância de uma postura ativa da parturiente durante todo o processo de dar à luz.

Ainda durante os encontros, confirma-se a normalidade da gestação através de exame físico especializado, e avaliação do bem-estar fetal através da cardiotocografia, em gestações que atingem 40 semanas ou mais.

A admissão da gestante é feita quando em franco trabalho de parto. A presença de um acompanhante é prática obrigatória. Banhos prolongados, deambulação e massagens constituem o cerne do cuidado na Casa do Parto, aliada a uma postura otimista e de encorajamento por parte dos cuidadores.

Os eventos que ocorrem durante o trabalho de parto são comunicados à mulher e sua família, bem como os seus significados. Quando ocorre o rompimento da bolsa das águas, o líquido amniótico é mostrado à mulher, chamando-lhe a atenção para a normalidade dos achados e possíveis desvios.

Após o parto, e quando as condições fisiológicas se mantêm, a mulher recebe alta em período de tempo menor que o de uma internação hospitalar. A liberação ocorre e média após 12 horas do parto, sendo o período de internação mais prolongado em primíparas.

Por ocasião da saída da mulher e seu bebê, a Casa do Parto comunica a alta ao Posto do QUALIS responsável pelo seguimento da família. Uma visita domiciliar deve ocorrer nas próximas 24 horas. Qualquer anormalidade é comunicada à Casa do Parto, que cuidará do acompanhamento, encaminhamento e(ou) supervisão dos cuidados.

A Casa completou um ano de efetivo funcionamento em setembro próximo passado (1999), com quase três centenas de partos assistidos. Os resultados maternos e perinatais foram bastante encorajadores, tanto em relação à segurança, quanto à qualidade da experiência para a mulher e sua família.

O presente trabalho apresentará os dados de produção, as características clínicas do trabalho das obstetrizes, o perfil da clientela atendida, e uma avaliação do trabalho realizado no período de outubro de 1998 à novembro de 1999.

 

PARTOS

O número de partos atendidos, no período de outubro de 1998 a novembro de 1999 foi de 331. A distribuição deles, segundo o mês de atendimento, encontra-se no GRÁFICO 1.

Houve um aumento progressivo no número de partos, desde a implantação do programa, até estabilizar-se na marca de 30 partos/mês. Em outubro, apenas 5 foram assistidos na Casa. Em março, foram atendidos 30 partos, ou um/dia. A principal fonte de divulgação dos trabalhos da Casa de Parto continua sendo a própria usuária, que estimula parentes, vizinhos e amigos à buscar atendimento na Casa.

Quando se aborda a modalidade de atendimento "Casa do Parto", costuma-se associá-la à locais desprovidos de assistência médico-hospitalar, longe das grandes metrópoles. A comunidade onde o serviço foi implantado dispõe de vários serviços que prestam atendimento obstétrico, mesmo que à alguma distância da região.

A opção pela Casa do Parto, em Sapopemba, não resultou da falta de leitos hospitalares, mas de uma escolha deliberada da mulher e sua família por um serviço diferenciado. O serviço preserva as características de um parto domiciliar, tornando o nascimento mais que um ato fisiológico ou médico, e restituindo-lhe sua dimensão social.

 

DISTRIBUIÇÃO DOS PARTOS SEGUNDO O POSTO DE ORIGEM

Os partos foram distribuídos segundo o Posto do QUALIS onde a gestante fez o pré-natal. Considerando a área de abrangência do QUALIS/Sudeste, 81,8% das mulheres que deram à luz na Casa do Parto pertenciam à uma das suas Unidades. O Posto do QUALIS que mais enviou gestantes à Casa do Parto foi o Posto IGUAÇU, com 28,7% do total de partos. Cabe destacar que o percentual de gestantes "FORA DE ÁREA", isoladamente, foi maior que o dos demais Postos do QUALIS, atingindo a marca de 18,2% do total de partos assistidos no serviço, como mostra o GRÁFICO 2.

Conforme afirmação anterior, a principal fonte de divulgação do trabalho da Casa do Parto é a própria usuária. É pouco expressivo o número de gestantes que vêm com encaminhamento formal das Equipes de Família do QUALIS. Grande parte das gestantes do QUALIS que procuraram a Casa do Parto o fizeram por conta própria, e não por recomendação de seus postos de origem.

 

PERFIL REPRODUTIVO DA CLIENTELA

IDADE

Quanto à composição etária, 60,3% das mulheres atendidas na Casa do Parto referiram idade menor que 25 anos na ocasião do parto, sendo 28% adolescentes (GRÁFICO 3). O atendimento da gestante adolescente tem sido um dos pontos altos da proposta assistencial da Casa do Parto. Em um ambiente não ameaçador, é possível garantir a tranqüilidade, intimidade e dignidade tão desejadas pelas adolescentes e suas famílias, na primeira e por vezes tão temida experiência de dar à luz.

PARIDADE

Quanto à paridade, 32% nunca haviam dado à luz anteriormente (GRÁFICO 4).

 

CARACTERÍSTICAS DO CUIDADO

DURAÇÃO DO TRABALHO DE PARTO

Na Casa do Parto, a duração do trabalho de parto não é longa, em média entre 3 e 6 horas, raramente ultrapassando 12 horas. A equipe de obstetrizes da Casa prefere não internar precocemente, recomendando que a mulher passe a fase latente em seu domicílio.

 

ADMISSÃO EM PERÍODO EXPULSIVO

No período estudado, 35 mulheres, ou 10,5%, chegaram em período expulsivo. Foi considerado admissão em período expulsivo, quando o parto ocorreu em menos de 60 minutos, a contar do horário da chegada da mulher ao serviço.

 

EPISIOTOMIAS

A episiotomia é um dos procedimentos mais comuns em Obstetrícia. Somente a secção do cordão umbilical supera em freqüência, as episiotomias. Esta incisão realizada no períneo para ampliar o espaço de saída da cabeça fetal foi mencionada pela primeira vez no século XVIII.

O uso da episiotomia cresceu em paralelo ao uso do hospital como local para as mulheres darem à luz. Antes da era hospitalar, as mulheres permaneciam ativas em seus lares durante o trabalho de parto, andando e adotando posições facilitadoras do parto. No hospital, foram obrigadas a assumir posições anti-fisiológicas, e a estafa materna foi uma conseqüência do modelo de atendimento oferecido às mulheres, horizontalizado e pouco ativo, que ensejou o uso em larga escala de instrumentos que fizessem o trabalho materno no expulsivo, como o fórceps.

Em 1920, o influente médico DeLee passou a defender a prática da episiotomia médio-lateral em todas as mulheres submetidas ao fórceps de alívio. De prática rotineira nos partos vaginais operatórios, logo passou a constituir a regra em todos os partos vaginais, mesmo os reconhecidamente naturais.

A maior ou menor taxa de episiotomias em primíparas parece depender de duas variáveis consideradas as mais importantes :

  1. a posição da mulher no parto;
  2. o tipo de profissional que a assistiu.

Durante muito tempo, a rotura espontânea do períneo foi vista como o símbolo da má assistência das parteiras. Os obstetras chegaram a propalar que, quanto maior a episiotomia, melhor o obstetra.

Recentemente, trabalhos sobre as vantagens e desvantagens da episiotomia e da rotura espontânea, vêm revolucionando a noção sobre qual é o melhor tratamento para o períneo.

Na Casa do Parto, a taxa de períneos íntegros em primíparas variou consideravelmente, de um mês à outro, indo de 10% à 85%. A taxa média foi de 43,5%. Considerando todas as paridades, a taxa de períneos íntegros passou para 74,4%, mostrando que as primíparas são as mais submetidas à episiotomias.

PRESERVAÇÃO DA FUNÇÃO DO ASSOALHO PÉLVICO

Mesmo sendo de pouca significância, as roturas espontâneas que tem lugar na ausência de episiotomias costumam suscitar especulações sobre se não teria sido melhor ter feito a episiotomia. Os obstetras defendem que a episiotomia previne futuros transtornos do assoalho pélvico, e por isso deve ser praticada em todos os partos normais.

Hoje sabe-se que as seqüelas à longo prazo, como a incontinência urinária e a dispareunia pós-parto, independem do uso restrito ou liberal da episiotomia (THRANOV el al.,1990). Admite-se inclusive que a episiotomia aumenta os transtornos perineais. A propósito, Larsson e colaboradores, na Suécia, encontraram um aumento significante na taxa de infecção no grupo de episiotomizadas (10,2%), quando comparadas às que tiveram laceração espontânea (2,4%). Em seguimento realizado 8 a 12 semanas após o parto, verificam, entre as episiotomizadas, uma maior incidência de transtornos na recuperação do períneo: cicatrizes, assimetrias e dor perineal à palpação (LARSSON et al., 1991).

A proposta da Casa do Parto é reduzir o número de episiotomias para um máximo de 20%, e privilegiar a episiotomia mediana, em lugar da médio-lateral, por ser menos dolorosa no pós-parto, propiciar menor perda sangüínea e uma reconstrução mais anatômica do períneo. No período analisado, foram realizadas 12 perineotomias na Casa do Parto, ou 4,3% do total de partos.

Não é apenas a freqüência de episiotomias que qualifica o trabalho na Casa do Parto. O trauma perineal, traduzido por edema, hematomas e outros transtornos decorrentes da manipulação agressiva da região durante o parto, tão comuns na assistência hospitalar, virtualmente inexistem em nosso serviço.

COCHRANE (1992) na Inglaterra, sugere algumas medidas para evitar ou minimizar o trauma perineal e as episiotomias desnecessárias. O preparo para o parto deve incluir o ensino de massagens perineais, a aplicação generosa de óleos, a realização de exercícios que solicitem a musculatura do assoalho pélvico. Durante o parto, a redução da ansiedade ajuda a mulher a manter o domínio da situação. Quando a mulher é ajudada a familiarizar-se com sua própria anatomia e com o processo de nascimento, torna-se mais apta a explorar seus medos em um ambiente não ameaçador.

Exames vaginais freqüentes são traumáticos e inoportunos, e devem ser evitados. No segundo período, ou no período expulsivo, a liberação brusca da cabeça fetal aumenta o risco de trauma perineal. É momento de orientar a mulher a liberar lentamente a cabeça fetal, por meio de respiração apropriada. É útil adotar a posição mais confortável e que melhor proteja o períneo, a posição lateral, ou de cócoras.

Nos países europeus, as taxas de episiotomias vem decrescendo. É o caso da Inglaterra, que de acordo com os dados levantados por EAST; WEBSTER (1995), vem observando, além do decréscimo das episiotomias, o decréscimo de outros procedimentos largamente usados em obstetrícia, como a rotura artificial das membranas ovulares, os enemas e as tricotomias (FLEISSIG, 1993).

LOCAL DE PARTO: CAMA COMUM OU MESA DE PARTO?

Cama Comum

Mesa de Parto

Abandonando a tradicional posição ginecológica no parto, a Casa do Parto escolheu a cama comum como local para a mulher dar à luz. A mesa de parto convencional, com perneiras, é usada com pouca freqüência, nos casos de variedades de posição anômalas, em bebês macrossômicos, ou para facilitar a aspiração da boca e hipofaringe, na presença de mecônio, entre outros.

As posições horizontais no parto passaram a ser adotadas para tornar mais fácil ao médico fazer seu trabalho. Admite-se que foi o obstetra francês Mauriceau, o primeiro a encorajar as mulheres a adotarem a postura em decúbito dorsal no parto. Esta posição ficou conhecida como posição francesa, em contraste com a postura deitada em decúbito lateral, utilizada na Inglaterra e conhecida como posição inglesa.

Quando a posição deitada ou reclinada foi proposta, no séculoXVII, era apenas para o momento do parto, mas seu uso foi estendido para o trabalho de parto também, quando a assistência à parturiente se deslocou para o hospital. Com a crescente introdução de intervenções obstétricas durante o trabalho de parto, como o monitoramento fetal, a infusão endovenosa de fluidos e medicamentos, e a anestesia peridural, aumentaram as vantagens de se manter as mulheres deitadas e estáticas durante todo o trabalho de parto (DUNN, 1992).

A posição no parto influi na necessidade de se praticar episiotomias. No Brasil, Paciornick registrou a realização de episiotomias em 50% das nulíparas que adotaram a posição deitada na hora do parto, contra apenas 9% entre as que ficaram de cócoras (Paciornick apud SABATINO, 1992).

Talvez por uma questão cultural, poucas mulheres na Casa de Parto escolhem a posição de cócoras para dar à luz. Elas preferem as posições mais tradicionais, como a deitada ou semi-deitada

Cadeira para parto de cócoras

Ainda em relação à posição no parto e sua influência na taxa de episiotomia, ROCKNER; OLUND (1991), na Suécia, estudando as variáveis relacionadas ao uso de episiotomias em diferentes serviços de obstetrícia, constatou uma maior prevalência de episiotomias em hospitais que adotavam a posição litotômica (a clássica posição adotada em quase todos os partos hospitalares no Brasil, a mulher com as pernas fortemente fletidas contra a pelve, sustentadas por perneiras, as nádegas na borda da mesa de parto), e menor nas que admitiam as posições alternativas (LYDON-ROCHELLE et al., 1995).

USO DE OCITOCINA PARA A CONDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO

A taxa de uso de ocitocina da Casa de Parto encontra-se muito além da preconizada pela Organização Mundial da Saúde, que é de cerca de 10%. Em 331 partos, a ocitocina foi usada em 132, ou 37% do total de partos. Este é um dado cuidadosamente analisado pela equipe da Casa do Parto. A meta do serviço é reduzir de maneira significativa o uso de ocitocina, e para tanto, são feitas reuniões clínicas dos casos com uso de ocitocina, discutindo-se a indicação e os riscos para a mãe e o bebê.

Dos 132 partos em que foi usada a infusão de ocitocina, pôde-se concluir que em 56 partos (42,4%), seu uso foi injustificado. Não se evidenciou nenhuma indicação materna e(ou) neonatal para acelerar o parto.

As justificativas consideradas válidas foram:

Em Casas de Parto, não deve existir a pressa que caracteriza a assistência nas grandes maternidades. Seguindo o ritmo fisiológico do parto, não se justifica a aceleração rotineira do trabalho de parto. Mas qual seria a taxa possível de se obter, em ambiente de Casa de Parto?

Na experiência norte-americana, em Centros de Nascimento (Birth Center), ROOKS et al. (1989) recolheram os resultados de 11.814 mulheres que deram à luz nestes locais, sendo 80,6% delas, assistidas por enfermeiras obstetrizes. Para aumentar as contrações uterinas, em 32,4% dos casos, o meio foi a rotura artificial das membranas ovulares antes dos 5cm de dilatação cervical; em 7,7%, por estimulação dos mamilos; e em apenas 1,4%, por ocitocina.

O uso de ocitocina na Casa de Parto vem sofrendo uma importante redução, mas não é considerada suficiente. A queda deve continuar, estabilizando-se ao redor de 10%, que deve ser a taxa de partos que realmente requerem o uso do fármaco.


TOQUES VAGINAIS

Este é um procedimento útil no acompanhamento do trabalho de parto, mas desagradável para a mulher, e freqüentemente adotado de forma abusiva nos hospitais. Na Casa de Parto, procuramos usar com parcimônia este recurso. E comparativamente, os números da Casa de Parto de Sapopemba são melhores que os encontrados nos centros de nascimento norte-americanos. Naqueles locais, de acordo com ROOKS et al. (1989), 52% das parturientes acompanhadas receberam menos que quatro toques. Na Casa do Parto, a porcentagem de mulheres que receberam menos que quatro toques, foi de 79,9%.


CESARIANA PRÉVIA

Quanto ao tipo de parto anterior, ainda que o protocolo de admissão restrinja o ingresso de mulheres com cesariana anterior, 7 (sete) mulheres, ou 2,5% tinham este antecedente obstétrico. Nenhuma intercorrência foi registrada no parto destas mulheres.


INTERCORRÊNCIAS OBSTÉTRICAS

As principais condições anômalas presentes ou apresentadas durante a assistência incluíram:

DURAÇÃO DA INTERNAÇÃO

Considerando apenas o período do parto até a alta, 51% das mulheres permaneceram internadas por um período máximo de 12 horas (GRÁFICO 5). Altas ultra-precoces, em média com 2 a 4 horas, são desaconselhadas na experiência da Casa do Parto, uma vez que não se permite avaliar adequadamente a fase de adaptação neonatal. Altas mais tardias foram decididas em função de dificuldades na amamentação, ou presença de sangramento materno aumentado.

Altas muito precoces podem ser interessantes pelo lado materno, mas é mais seguro que não sejam a regra. A média de 8 a 12 horas parece ser a mais apropriada, tanto para o acompanhamento da mãe e do bebê, como para o ritmo de atendimento da Casa do Parto.

 

PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA

O ACOMPANHANTE

A escolha do acompanhante é uma decisão da mulher. Várias condições podem interferir nesta escolha, sendo as mais importantes, a disponibilidade do acompanhante, e a motivação do escolhido para assistir o parto.

Em 57% dos casos, a pessoa escolhida foi o companheiro/esposo (GRÁFICO 6). A função que ele desempenhou no parto foi o de um passivo expectador, em pequeno número de casos, ou de um cuidador atento, com maior freqüência. Em apenas dois casos, houve uma interferência negativa da família, que exigia cesariana. As duas mulheres foram removidas para hospitais, onde deram à luz por parto normal, sem intercorrências.

 

COMPLICAÇÕES INFECCIOSAS

Não se detectou nenhum caso de infecção puerperal. Nenhuma de nossas parturientes apresentou complicações relacionadas ao parto.

 

ASSISTÊNCIA AO NEONATO

PESO AO NASCER

A distribuição de peso dos recém-nascidos encontra-se no GRÁFICO 7. O peso mínimo foi de 1660g, e o máximo de 4500g. Todos os bebês com menos de 2000g foram removidos à hospitais, para ganho de peso e(ou) acompanhamento especializado.

 

ASPIRAÇÃO DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES (AVAS)

O uso de aspiração das vias aéreas superiores (AVAS) foi tomado como um indicador do nível de intervenção da Casa do Parto sobre os recém-nascidos. Notou-se uma curva ascendente na prática de AVAS até o mês de abril, quando a equipe foi reunida para reavaliar o uso do procedimento. Em conseqüência, verificou-se uma queda drástica no mês de maio. O que temos observado é a estabilização das taxas de AVAS em redor de 15 a 20%, com uma taxa média de 26,1%.

SECÇÃO DO CORDÃO UMBILICAL

O acompanhante é convidado à participar da experiência de nascimento, seccionando o cordão umbilical. Esta ação tem, principalmente, um valor simbólico. Na Casa do Parto, 107 acompanhantes (35,4%) realizaram o procedimento, registrando em fotografias este momento significativo para a família.

 

CREDEIZAÇÃO

Em 100% dos RN é praticada a instilação ocular e vaginal com Nitrato de Prata.

 

VITAMINA K

Todos os RN recebem vitamina K por via intramuscular. Esperamos passar a utilizar a via oral, quando tivermos o produto apropriado para esta via de administração.

 

INCUBADORA

A Casa do Parto dispõe de incubadora, que pode transportar RN em caso de remoção aos hospitais. Ela também é utilizada em casos de taquipnéia transitória do RN, e sempre que as condições do RN exigirem.

 

CONSULTAS

A Casa do Parto não faz seguimento pré-natal de rotina, uma vez que esta tarefa está designada às Equipes de Saúde da Família dos Postos do QUALIS. No sentido de propiciar um contato prévio da gestante com o ambiente da Casa do Parto, e sua proposta assistencial, realizamos consultas a partir da 37ª semana de gestação. Mesmo com esta providência, 28% das mulheres que deram à luz na Casa do Parto tiveram o primeiro contato com nosso serviço no dia de seus partos (GRÁFICO 8).

A Casa de Parto prepara a mulher e sua família para o parto natural dentro do que se convencionou chamar de PLANO DE PARTO. Trata-se de uma modalidade de atendimento pré-natal mais tardio, a partir da 36-37 semana de gestação, visando familiarizar a mulher em relação as propostas da Casa do Parto, de um parto com pouca intervenção e muita participação da mulher e sua família.

No GRÁFICO 9, são apresentadas as freqüências mês a mês, de consultas de Plano de Parto, desde o início do programa. Foram realizadas 1.553 consultas no período de um ano de funcionamento da Casa do Parto.

O número de consultas realizadas pela Casa do Parto vêm se estabilizando ao redor de 150/mês, ou 5 por dia. É possível aumentar para o dobro a quantidade de consultas, com o número atual de profissionais da Casa.

 

REMOÇÕES

Foram efetuadas 115 remoções maternas. As remoções foram separadas segundo o critério de sua ocorrência, antes da admissão na Casa do Parto (ante-parto), depois da admissão, e antes do parto (intra-parto) e logo após o parto (pós-parto). (QUADRO 1).

 

QUADRO 1. DISTRIBUIÇÃO DAS REMOÇÕES MATERNAS DA CASA DO PARTO,SEGUNDO A CAUSA, SÃO PAULO. OUTUBRO 1998 A NOVEMBRO 1999.

NO EXAME ADMISSIONAL

 

  • Presença de mecônio

34

  • Parto prematuro

10

  • Hipertensão arterial

10

  • Cardiotografia sub-normal

11

  • Cesárea anterior com outra intercorrência obstétrica

08

  • Apresentação pélvica

09

  • Amniorrexe prolongada com bishop desfavorável

06

  • Discinesias com outra intercorrência obstétrica

03

  • Pós-datismo

04

  • Macrossomia fetal

04

  • Retardo de crescimento intra-uterino

01

  • Fisometria em amniorrexe prolongada

01

  • Miomectomia prévia

01

  • Óbito fetal intra-uterino(OFIU)

02

  • Procidência de mão

01

Sub-Total

105

NO INTRA-PARTO

 

  • Parada de progressão

07

  • Descompensação materna + pressão da família

02

Sub-Total

09

NO PÓS-PARTO

 

  • Retenção placentária em parto prematuro

01

Sub-Total

01

   

TOTAL

115

 

A Casa do Parto situa-se em região extremamente carente, e pode facilmente transformar-se em serviço de Pronto Atendimento Obstétrico, uma espécie de Posto Avançado de distribuição de parturientes aos hospitais da região. Um expressivo número de remoções da Casa de Parto foi de mulheres que procuraram o serviço com a finalidade de obter um transporte e uma vaga hospitalar mais rapidamente.

 

RESULTADOS DAS REMOÇÕES

MATERNOS

Considerando um N=446, obtido da soma das 115 remoções mais os 331 partos assistidos no período estudado, a taxa global de remoções foi de 25,8%. A maioria das remoções ocorreu antes da internação na Casa do Parto, isto é, no momento do exame admissional. Nesta situação estavam 105 mulheres, ou 91,3% do total das remoções.

Do total de 115 mulheres removidas, 52 (45,2%) foram submetidas à operação cesariana, 37 (32,2%) tiveram partos normais, e em 26 casos (22,6%), não conseguimos obter informações quanto ao tipo de parto.

Apenas 9 mulheres foram removidas no intra-parto. Sete delas, por parada de progressão, e duas, por pressão dos familiares. Das nove mulheres, cinco evoluíram para o parto cesariana, e quatro tiveram parto normal.

Na Casa do Parto, a taxa de remoção no ante-parto foi de 23,5% (N=446, soma dos 331 partos + 115 remoções), e no intra-parto, de 2,6% (N=340, da soma dos 331 partos + as 9 remoções no intra-parto; foram excluídas as 105 remoções no ante-parto).

As taxas de remoção constituem um importante indicador clínico para se mensurar a qualidade dos serviços desses centros, como ocorre nos centros de nascimento norte-americanos. FULLERTON et al. (1997), estudando dois centros de nascimento independentes situados ao sul da Califórnia, EUA, registraram taxas gerais de transferência de 28,3% e 19,1%. As principais causas de remoção no intraparto foram, nesta ordem: parada de progressão, mecônio, sofrimento fetal, rotura prolongada das membranas ovulares (tempo maior que 12 horas), pico hipertensivo ou doença hipertensiva específica da gestação, dificuldade no manejo da dor, apresentação anômala, e febre materna. Na Casa do Parto, a principal causa de remoção materna foi a presença de mecônio, a grande maioria, diagnosticada pela amnioscopia de admissão.


NEONATAIS

Dez bebês foram removidos à hospitais logo após o parto (QUADRO 2).

QUADRO 2. DISTRIBUIÇÃO DAS REMOÇÕES DE RECÉM-NASCIDOS DA CASA DO PARTO, SEGUNDO A CAUSA, SÃO PAULO, OUTUBRO1998 A NOVEMBRO 1999.

  • asfixia neonatal grave

01

  • cianose generalizada

01

  • baixo peso

02

  • pré-termo

03

  • aspiração de mecônio

01

  • desconforto respiratório

02

TOTAL

10

Um bebê foi removido logo após o parto, por asfixia neonatal grave, que não respondeu as manobras de ressuscitação: ventilação por pressão positiva e massagem cardíaca. No hospital, foi submetido à exame de ressonância magnética, detectando-se áreas de calcificação cerebral sugestivas de infecção perinatal. Após 90 dias de internação, foi à óbito. Outros três bebês removidos eram prematuros. Dois bebês foram removidos por serem pequenos para a idade gestacional.

No clássico estudo de VAN ALTEN et al. (1988), realizado em Wormerveer, Holanda, nos anos de 1969 a 1983, os resultados perinatais de 7.980 gestantes assistidas por parteiras independentes foram analisados. Entre os bebês nascidos sob a supervisão apenas da parteira, 3,8% necessitaram de admissão em hospital. Na Casa do Parto, a taxa de admissão hospitalar foi de 3,0%. Admissão de emergência, por asfixia no parto, ocorreu em 0,4% dos casos, no estudo holandês. Na Casa do Parto, a taxa de asfixia neonatal foi de 0,3%.

Convulsões dentro das 48 primeiras horas de vida, em bebês à têrmo, ocorreu em cinco bebês, no estudo de Van Alten (0,8/1000). Na Casa do Parto, tivemos o registro de dois casos de convulsão no período neonatal, ou 0,6% do total de partos, sendo um, do bebê com asfixia, e outro, do bebê com malformação cardíaca. O coeficiente de mortalidade perinatal dos bebês nascidos com as parteiras independentes holandesas foi de 11,1/1000 (contra a média nacional de 14,5/1000).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta das Casas do Parto está imbricada nas propostas de humanização do nascimento e parto. Ao deslocar os médicos como os agentes centrais da assistência aos partos fisiológicos, tente restituir a dimensão fisiológica e social do fenômeno de dar à luz, em detrimento da dimensão patológica e médica que ora domina a assistência ao parto no Brasil.

Os efeitos positivos da presença dos não-médicos – parteiras e enfermeira - nos partos fisiológicos, são mundialmente reconhecidos. A exclusão destas profissionais do cenário da parturição desequilibrou a dimensão fisiológica do nascimento, além de embrutecer a assistência, como bem expressou o médico G.D.Kloosterman apud KITZINGER (1988): "sem a presença e a aprovação da parteira, os obstetras tornaram-se agressivos, tecnológicos e desumanos".

Para a parteira, atuar em hospitais significou atuar em um espaço inteiramente controlado pelo modelo médico de assistência. Sem liberdade para desenvolver seu próprio corpo de conhecimentos, deixou de acumular valiosos conhecimentos sobre a fisiologia do parto e nascimento. Pieter E. Treffers, docente de ginecologia e obstetrícia do Academisch Medisch Centrum, em Amsterdã, Holanda, defende o caráter eminentemente fisiológico da obstetrícia, e lembra que "ao contrário da maioria das especialidades médicas, a obstetrícia trata de acompanhar a fisiologia. Intervenções médicas pretendem prevenir ou corrigir processos patológicos, e não aperfeiçoar a fisiologia".

O parto nem é seguro até demonstrar ser perigoso, nem é perigo até demonstrar ser seguro. O que se exige é uma correta avaliação da situação, com a suficiente vigilância e flexibilidade para se remover pessoas, dentro e entre os melhores sistemas designados para as particulares e mutantes necessidades.

Mudanças culturais não ocorrem rapidamente. E pressa é uma palavra de ordem em uma sociedade como a nossa, balizada por critérios de produtividade e competitividade, em busca de resultados imediatos. Por causa disto, talvez não haja tempo para se dar tempo necessário para a consolidação do modelo urbano de Casas do Parto. Mesmo enfrentando algumas dificuldades, a Casa do Parto de Sapopemba vem cumprindo suas propostas e ocupando um importante papel histórico dentro da assistência ao parto no Brasil.

A Casa de Parto de Sapopemba está aberta para sugestões. As clientes podem deixar por escrito suas idéias na "caixa de sugestões" espalhadas pelas dependências da Casa de Parto de Sapopemba


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COCHRANE, S. Perineal trauma. Nursing Times. 1992; v.20, n.88, p.64.

DUNN.Posição materna durante o parto; aspectos históricos e antropológicos.In: SABATINO et al. Parto Humanizado; formas alternativas, 1992. p.27-30.

EAST,C., WEBSTER, J. Episiotomy at the Royal Women’s Hospital, Brisbane: a Comparison of practices in 1986 and 1992. Midwifery. v.11, p.195-200, 1995.

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*Aluna bolsista (iniciação científica) da FAPESP

Orientadora: Profª Dra.Maria Helena Baena de Moraes Lopes


Este texto teve como base o RELATÓRIO DESCRITIVO DAS ATIVIDADES DA CASA DO PARTO: PERÍODO DE OUTUBRO DE 1998 A NOVEMBRO DE 1999, elaborado pelas enfermeiras Ruth Hitomi Osava (diretora), Izumi Kawamorita Magalhães, Maria Nakashima, Matilde Midori Muta e Terezinha Sousa Santos.


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