CRIANÇAS VÍTIMAS DE MAUS TRATOS

Érika Cristina J. Guimarães Paixão*

Os maus tratos com crianças ainda se constituem um grave problema em nossa sociedade. Inclui-se desde os maus tratos físicos e/ou emocionais (negligência), bem como abuso sexual.

A violência física pode ser identificada pela presença de marcas no corpo da criança: pequenas marcas redondas ou cicatrizes de queimaduras por cigarro; queimaduras nas nádegas ou planta dos pés; marcas de tapas; estrias e marcas de cintos, fivela, corrente ou cabide; assim como escoriações circulares ao redor dos punhos ou tornozelos; entre outros (WHALEY, WONG,1989).

A negligência é a forma menos evidente de violência doméstica: não proteger a criança e/ou não dispensar a atenção adequada às suas necessidades. Pode ser identificada por uma alimentação inadequada, descuidos em relação a higiene e vestimentas, falta de afeto e desinteresse pela criança enquanto indivíduo. Causa danos psicológicos ou se confunde com resultados de acidentes comuns (queimaduras, fraturas, lesões). Muitas vezes é confundida com falta de recursos financeiros, porém ela está presente em todas as camadas sociais (DAVOLI, OGIDO, 1992).

O abuso sexual precisa ser investigado: inspeção da criança procurando evidências de contato genital, sexo anal e/ou oral. Realização de exames laboratoriais para pesquisar presença de sêmen ou doenças sexualmente transmissíveis (DST). Com exceção de AIDS, sífilis congênita e conjutivite gonocócica em recém nascidos, outras DST devem ser consideradas indício de abuso sexual (WHALEY, WONG, 1989).

Os profissionais da área de saúde precisam estar atentos, detectando e fornecendo acompanhamento para esta família. Esteja em um Centro de Saúde, Pronto Socorro, Ambulatório ou alguma unidade de internação, avalie como a criança é cuidada, o relacionamento pais-filho (se há agressão verbal, desinteresse,...), o modo como a criança reage ao exame ou à presença de familiares.

DAVOLI & OGIDO (1992) citam alguns fatores que podem contribuir, para a identificação de possíveis casos de maus tratos:

  • história contada pelos pais não coincide com os achados clínicos;
  • pais revelam atitude de indiferença ou exageram a gravidade dos fenômenos, apresentando uma atitude conformista ou com remorso;
  • quando há relutância ao fornecimento dos dados sobre o ocorrido ou se oferecem dados contraditórios;
  • quando observa-se demora em procurar ajuda após o ocorrido;
  • recusa dos pais para realizar exames complementares ou concordar com tratamento necessário;
  • não comparecimento dos pais às entrevistas.

Quando é possível um maior contato com a família, pode-se perceber, segundo WHALEY & WONG (1989):

  • pais que tiveram uma criação violenta, e com isso acabaram desenvolvendo uma baixa auto-estima e precária auto-imagem, transferindo essas convicções aos filhos;
  • escasso conhecimento das realizações do desenvolvimento normal das crianças, cobrando atitudes que os filhos ainda não estejam aptos a desempenhar;
  • transferência de cuidados emocionais, alguns pais esperam que os filhos cuidem deles, dando carinho e atenção. Quando não são atendidos, descontam nas crianças suas ansiedades e frustrações;
  • fornecimento de responsabilidades de um adulto às crianças: pais que deixam filhos de meses com irmãos em idade pré-escolar;
  • descuidos com a segurança do ambiente doméstico, levando frequentemente a acidentes graves;
  • vivem em isolamento social, derivam de escasso prazer e satisfação dos relacionamentos interpessoais, por não terem desenvolvido confiança em sua infância. Em virtude dessas necessidades insatisfeitas procuram gratificação num parceiro, que pode ser o abusador ou quem os tolera, não interferindo.

"Os maus tratos são o resultado de uma alteração na função associadas ao papel de pais e portanto pode afetar qualquer um dos filhos" (WHALEY, WONG, 1989). Porém, observa-se uma maior incidência em filhos ilegítimos, não-desejados, portadores de lesão cerebral, hiperativos, deficientes físicos ou procedentes de lares desfeitos (WHALEY, WONG, 1989).

Dentre os fatores precipitantes de maus tratos podem ser citados: treinamento dos esfíncteres, desenvolvimento da fala e habilidades de auto-cuidado. Fatores advindos do ambiente também podem contribuir: estresse crônico, crises financeiras, emocionais, físicas e maritais.

Esses ambientes são carentes de um sistema de apoio adequado ao desenvolvimento das crianças. Porém estudos nos EUA revelaram que retirar essas crianças de seus lares naturais provocam mais danos ao seu já fragilizado sistema emocional (CHRISTENSEN et al, 1984).

Concordam em se tratar de uma questão polêmica e bastante complicada para os enfermeiros e outros profissionais que lidam com essas crianças e suas famílias. CHRISTENSEN et al (1984) trazem como solução o desenvolvimento de um serviço preventivo. Quando fossem detectados casos de maus tratos ou suspeita, encaminharia-se as famílias.

O projeto foi desenvolvido no Departamento de Ramsey County (St.Paul, Minnesota), e foi chamado de Projeto de Cuidado a Famílias Especiais. Tem como objetivos identificar famílias, prevenindo a ocorrência da violência, fornecendo acompanhamento, orientações e aconselhamentos, continuados por dois anos. Utilizam uma equipe multidisciplinar de enfermeiros e profissionais da saúde mental.

Pretende-se contribuir para uma estabilização dos relacionamentos interfamiliares, reduzindo o número de famílias que apresentem:

  • pais com atitude de afastamento com os filhos;
  • crianças morando em lares abrigados ou instituições;
  • crianças vítimas de abuso físico por outros ou pelos próprios pais;
  • crianças que abandonaram a escola;
  • crianças que abusam de drogas ou álcool, com tentativa de suicídio, hospitalizadas por problemas psiquiátricos ou envolvidas com a polícia.

Trata-se de um problema de saúde pública e precisa ser encarado de frente, os profissionais de saúde precisam estar atentos e não se omitirem, denunciando ao Centro de Referência e Atenção aos Maus Tratos na Infância (CRAMI - 019 - 251 1234) ou à própria polícia sempre que necessário.


*Bolsista de iniciação científica da FAPESP


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CHRISTENSEN, M.L., SCHOMMER, B.L. & VELASQUEZ, J. Child Abuse MCN vol.9 (3/4), 1984. p.107-117

    DAVOLI, A. & OGIDO, R. A negligência como forma de violência contra a criança e a importância da atuação médica Jornal de Pediatria vol.68 (11/12), 1992. p.405-408

    WHALEY, L.F. & WONG, D.L. Enfermagem Pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva 2ºed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.


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