Breve Histórico dos Programas Nacionais de Saúde Materno-Infantil

 

*Maria Alícia Carrillo Sepúlveda

 

A institucionalização da proteção de saúde materno-infantil no Brasil ocorre com a reforma sanitária de Carlos Chagas, na década de 20, desenvolvendo-se em períodos subsequentes por força dos dispositivos legais e programáticos.

Os programas de saúde materno-infantil foram amplamente utilizados nos serviços de Saúde Pública, na década de 70, até meados da década de 1980, como resposta do governo a alguns problemas sanitários selecionados como prioritários.

Apesar dos vários programas, dois delinearam os contornos da assistência à mulher:

Cada um destes programas foi construído em contextos históricos diferentes: o primeiro, de uma conjuntura política do período de regime militar e implantado no conjunto das políticas de extensão de cobertura, e o segundo, discutido e implantado no período de transição democrática, fruto de negociação com o movimento de mulheres. Estas delimitações são importantes para a compreensão de algumas características que se observam nos processos de trabalho organizados para a assistência à mulher nas unidades básicas, nesses momentos históricos:

 

O Programa Materno-Infantil

O Programa Materno-Infantil (PMI) era constituído de 6 subprogramas:

  1. assistência materna: gestação, parto e puerpério;
  2. assistência à criança e ao adolescente: controle de crianças menores de 05 anos e do grupo de 05 a 14 anos;
  3. expansão da assistência materno-infantil: integração de grupos comunitários, controle e orientação de curiosas;
  4. suplementação alimentar: prevenção de desnutrição materna, gestação e lactação (Programa coordenado pelo INAM);
  5. atividades educativas;
  6. capacitação de recursos humanos.

Observa-se já nessa época a distinção dada às enfermeiras para o atendimento às gestantes nos centros de saúde, atribuindo-se a estas profissionais a responsabilidade pela maioria das consultas durante a gravidez, onde a consulta de enfermagem aparece como instrumento de atenção individual. Além disso, a enfermeira era elemento central da assistência à criança de 0 a 4 anos, como também responsável pelo cadastramento, treinamento, supervisão e controle das curiosas.

 

O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher-PAISM

À partir de meados da década de 1980 observa-se no cenário nacional um crescente sentimento de democratização do país com a organização de movimentos sociais, como o movimento feminista.

As mulheres passam a expor suas reivindicações que dizem respeito às temáticas (que também se tornam públicas): direito à procriação, sexualidade e saúde, planejamento familiar, discriminação do aborto, democratização da educação para a saúde, e outras medidas entendidas na esfera da saúde pública e não do ato médico.

O interesse pelo tema Saúde da Mulher cresceu no país não apenas nos espaços acadêmicos, mas também na maioria dos movimentos sociais organizados. No processo de abertura política, feministas e profissionais da saúde iniciaram uma parceria com o Ministério da Saúde para elaboração de propostas de atendimento à mulher que garantissem o respeito a seus direitos de cidadã, resultando em uma proposta concreta do Estado como resposta às reivindicações: o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher- PAISM.

Este novo Programa passa a ser prioridade do Ministério da Saúde por ter amplo respaldo no movimento de mulheres e por representar, no conjunto das suas concepções, um substancial avanço em relação à proposta anterior (Programa Materno-Infantil). A partir de 1984, começaram a ser distribuídos às Secretarias Estaduais documentos técnicos que iriam nortear as chamadas "ações básicas de assistência integral à saúde da mulher", englobando o planejamento familiar, o pré-natal de baixo risco, prevenção de câncer cérvico-uterino e de mamas; as doenças sexualmente transmissíveis, a assistência ao parto e puerpério. Posteriormente foram sugeridas as ações relacionadas à sexualidade na adolescência e à mulher na terceira idade.

Nesse período, várias experiências alternativas foram feitas em saúde: capacitação de profissionais, novas práticas educativas em saúde da mulher, bem como formas alternativas de atendimento.

Toda mobilização e discussão em torno das questões específicas de saúde da mulher eram articuladas às lutas mais gerais pela saúde como "direito do cidadão e dever do Estado" reafirmada na 8º Conferência Nacional de Saúde. Para o movimento de mulheres era imprescindível que o PAISM fosse implantado por meio das Ações Integradas de Saúde (AIS). Esta estratégia de ação política instituída a partir de 1985 representava a conjugação de princípios e diretrizes entre os níveis federal, estadual e municipal para viabilizar um modelo assistencial cujas premissas básicas eram a descentralização e a universalização do atendimento.

A criação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) em julho de 1987 representou um passo decisivo no processo de descentralização e de redefinição de papéis e atribuições entre os níveis federal, estadual e municipal. O Inamps deixou de atuar como órgão responsável pela execução direta e indireta das ações de saúde (quer por meio de serviços próprios ou de contratos e convênios), repassando estas atribuições aos Estados e Municípios. Estas medidas ampliaram o campo de atuação e o volume de recursos financeiros das instituições, habituadas a trabalhar com escassez de recursos e voltadas exclusivamente ao campo da Saúde Pública. O resultado deste investimento foi a ampliação da rede de unidades básicas nos Estados e Municípios. Além deste incremento, modificou-se o perfil das unidades, pois além do desenvolvimento dos tradicionais programas, estas deveriam prestar atendimento médico individual anteriormente prestado pelo Inamps ou pelos serviços particulares.

Algumas características dos processos de trabalho na vigência do PAISM estão contidas nos manuais que definem de modo simples e direto o conteúdo das ações, normatizando os procedimentos e padronizando as condutas que delas decorrem, em relação a :

 

O momento atual no Brasil: que modelo é esse?

O texto constitucional, aprovado em 1988, institui o Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com as diretrizes:

  1. DESCENTRALIZAÇÃO, com direção única em cada esfera do governo;
  2. ATENDIMENTO INTEGRAL, com prioridades para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais;
  3. PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE.

Com a regularização do SUS acelera-se no país o processo de municipalização dos serviços de saúde.

É neste contexto que experiência de assistência à saúde da mulher em Campinas-SP está inserida, com o projeto MULHER VIVA.

 

 

Inserção dos profissionais nos programas: o papel da enfermagem

As propostas internacionais e nacionais sobre os "recursos humanos de saúde", décadas de 70 e 80, se caracterizam por dar destaque hegemônico ao profissional "médico", em detrimento dos outros profissionais e demais trabalhadores da área da saúde com sérias implicações para a prática profissional e para a adoção do trabalho em equipe.

A questão da inserção da enfermagem nos Programas Nacionais da Saúde Materno-Infantil, quando de sua implantação, em 1974, ocorre em um período em que se reabre o debate na área da saúde, possibilitando a discussão e a reflexão sobre a situação da enfermagem no contexto político-social brasileiro.

Desde o primeiro programa de saúde materno-infantil, a enfermagem foi caracterizada pela concepção de "execução" de tarefas e de acordo com o local onde se realizam os cuidados, indicando-se o que deve ser feito e descrevendo-se procedimentos tradicionais na assistência à mãe e à criança.

Quanto à prática da enfermagem profissional, a situação era, contudo, legal nos termos da Lei Nº 2.604/55, que dispunha sobre o exercício profissional em geral e o da enfermagem obstétrica. Esta Lei não respondia às necessidades sentidas pela categoria que questionava, principalmente, a condição ambígua de ser a enfermeira universitária e de desempenhar um papel subsidiário (situação que só foi modificada em 1986, quando é promulgada a Lei Nº 7.498 de 25/06/86, regulamentada pelo Decreto Nº 94.406 de 08/06/87.

A participação das enfermeiras, em nível central, em que pese um certo grau de qualidade da contribuição da enfermagem na área, através da capacitação e do desenvolvimento de recursos de enfermagem na área materno-infantil, foi limitada por condições históricas que impediram sua expansão e fortalecimento.

No período de 1970 e 1985 e mesmo na década de 1985 a 1995, muitas proposições emergem de eventos técnico-científicos promovidos pela classe, com assessoria, principalmente, da OPAS/OMS. Neles, verificam-se diretrizes e conceitos sobre assistência de enfermagem dirigida à mãe e à criança que, no plano do discurso, são até bem avançados. Nesses períodos, alguns modelos de prática, também, surgem liderados por docentes de enfermagem. Mas neste contexto ainda é possível evidenciar alguns problemas como a caracterização de um papel (de desempenho) da enfermeira, suas funções específicas, divergências existentes quanto à prática da consulta e à prática da execução do parto e da auditoria dos cuidados pela enfermeira.


Bibliografia Consultada

CIANCIARULLO, T.I.; GUALDA, D.M.R.; MELLEIRO, M.M. C & Q Indicadores de Qualidade: uma abordagem perinatal. São Paulo: Ícone, 1998.

 

HARTZ, ZULMIRA MARIA DE ARAÚJO. Avaliação em Saúde: dos modelos conceituais à prática na análise da implantação de programas, Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997.

 

ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA SALUD. Condiciones de Eficiencia: de los servicios de atencion materno infantil, 1987.

 

OSIS, MARIA JOSÉ DUARTE. Atenção integral à saúde da mulher, o conceito, e o programa: história de uma intervenção. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1994.

 

TYRRELL, MARIA ANTONIETA; CARVALHO, VILMA DE. Programas nacionais de saúde materno-infantil: impacto político-social e inserção da enfermagem. Rio de Janeiro: Gráfica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, EEAN/UFRJ, 1995.


*Aluna Bolsista(Iniciação Científica) da FAPESP

Orientadora: Profª Dra. Maria Helena Baena de Moraes Lopes


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